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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A LADRA DE MEMÓRIAS

  Sobre a dor e as alegrias do convívio com o esquecimento, ela sabe muito bem. Mesmo que não se dê conta disso. Lembranças antigas voltam a sua memória, misturando o que já foi, do que seus olhos vêm.  Vez ou outra ela chama por nomes que já deixaram este plano há muito tempo, mas que em sua cabaça confusa ainda habitam a terra. 

  Hoje, a senhora de 80 anos arruma uma sacola com pequenos pertences na intenção de deixar a própria casa - casa qual, ora ou outra, ela desconhece como sua -.  Na pequena sacola de plástico apenas um livro de orações e algumas peças de roupas. Ela se questiona de onde poderia estar um dinheiro que guardou. Diz que eram 25 reais. Alguns minutos depois o valor diminui para 20. A senhora de cabelos grisalhos e pele negra anda de um lado para o outro no quarto. Ela lembra e esquece do dinheiro diversas vezes. É difícil convence-la de que ela não tem o valor imaginado.  A senhora teima de que sim, e que o dinheiro seria usado para a passagem de volta para casa. Segundo a mesma, ela já teria passado muito tempo ali.

  A convido para um passeio. O objetivo é estimular os músculos da perna e distraí-la um pouco. Não deixo que ela saiba onde estamos indo. Mesmo que o destino fosse revelado, logo ela questionaria novamente. Pego em sua mão para evitar que caia. – não que eu consiga evitar a queda -, sou um apoio.

  No caminho ela se surpreende com o tamanho das árvores plantadas na avenida. E se questiona de como cresceram tão rápido. Olha para um pé de goiaba em uma das calçadas que passa. Arrisca pegar uma, mas alerto que ainda estão muito verdes. Seus passos são lentos e arrastados.

  Agora ela pergunta para onde estamos indo. Digo que para um lugar que ela gosta muito. Deixo que ela pense nesse lugar. Ela olha para meu rosto e me cutuca na expectativa de que eu fale onde é, pois sua memória já não se recorda. Digo que estamos indo tomar sorvete, então ela solta um “ que maravilha”. A doce senhora sempre gostou de sorvete. Antes da doença, levava os netos para sorveteria quando estavam de férias na escola.

  Depois de algum tempo a senhora chega ao seu destino. Da sua casa até ali apenas alguns quarteirões. As pernas aguentaram bem a caminhada. Ela se senta em uma das mesas e fica feliz pelo ar gelado que sai de um grande ventilador.  Pergunto qual sabor a ela quer, a resposta vem acompanhada de uma expressão de dúvida. Em seguida o assunto dinheiro volta à tona. Ela se recusa em aceitar o sorvete. Diz que não trouxe dinheiro, que não achou ele.  Depois de insistir que não tinha problema ter esquecido o dinheiro, ela diz que posso escolher qualquer sabor. Opto pelo de milho verde, um de seus favoritos.  Na verdade, sei que é seu predileto.

  Entre uma colherada e outra pergunto se está gostando. Ela diz que está maravilhoso e come como se fosse uma novidade. E de fato ali, naquela hora, era.  Seus olhos são um misto de satisfação e alegria. Ela olha ao redor e diz que nunca tinha ido naquela sorveteria.

  A Doce senhora está feliz. Olha pra mim e pergunta quanto foi o sorvete. Digo que R$ 4,00. Ela se assusta e diz que antigamente era mais barato. O céu está escuro, o vento indica que a chuva chegará logo. Decidimos voltar para casa. No caminho de volta ela fala novamente sobre as árvores e se mostra tão indignada pelo tamanho delas quanto da primeira vez. Para ela é sempre a primeira vez.

  Naquele dia, a senhora de cabelos brancos se sentia confusa, e tinha consciência disso. Depois daquela pequena distração em forma de felicidade, ela esqueceu – ao menos por um tempo-. Chagando na casa, a senhora diz que o passeio foi ótimo, mas que já está na hora dela ir para casa.
Onde é sua casa, não se sabe. Talvez seja a casa de sua infância, adolescência ou fase adulta. Talvez seja ali mesmo. Com o tempo, algumas coisas na casa em que mora a mais de 30 anos mudaram. Me pergunto se não seria esse o motivo que ela não reconheça como sua. Uma coisa é nítida, apesar da doença que rouba memórias, a senhora nunca deixou de ser ela mesma. É uma batalha árdua e diária, para ela, para família e para quem convive com isso. Mas apesar das diversidades e aflições, no fundo, bem lá no fundo... em algum lugar ela se lembra.


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

ANO TODO AMARELO



Todo ano é a mesma coisa.  Escolhemos várias cores durante os meses para representar causas, visibiliza-las, reconhecer lutas e ampliar campanhas de saúde. O Brasil tem vários exemplos disso.  Entre os mais conhecidos estão:  maio amarelo, que busca conscientizar sobre segurança no transito; o outubro rosa, para prevenção ao câncer de mama; junho vermelho, campanha de doação de sangue e setembro amarelo. Esta última, que tem como objetivo conscientizar sobre a prevenção ao suicídio, vêm se tornado uma das campanhas mais comentadas nas redes sociais.

Durante o mês, várias pessoas compartilham tirinhas, vídeos, e relatos sobre a valorização da vida, formas de buscar ajuda, e a empatia com o próximo. Entretanto, as manifestações com o assunto muitas vezes, – perceba que disse MUITAS VEZES, não SEMPRE –, não passam de posts em redes sociais.  E não é muito difícil de se perceber isso. Basta olhar paras as pessoas que gastam seu português no facebook, twitter e instagram, e suas ações na vida real, no dia a dia.

A sensibilização à causas e histórias distantes é irônica comparada com a cegueira do universo próximo. Por que sua empatia não enxerga àquilo que está do seu lado?  Eles estão sempre aí. É aquela pessoa diferente de você que é ridicularizada na infância, é o “baitola”, o “viado” e a “mulher macho” que estudavam com você na escola. É a menina do cabelo crespo que você vivia chamando de duro, é a “baleia assassina”, é a “vara-pau”, são colegas de salas que são excluídos dos grupos da faculdade.

Pessoas desistem de estudar, trocam de escola, de períodos, trancam faculdades, abandonam seus sonhos. Não porque não gostam, mas porque elas já não suportam estar em um ambiente onde não são bem vindas, onde se sentem excluídas, deslocada, sós.  

De acordo com a pesquisa de 2012 da Organização Mundial de Saúde, cerca de 800 mil pessoas por ano cometeram suicídio. A cada trinta segundos uma pessoa tirou a própria vida no mundo.  No Brasil, em 2017, o primeiro boletim epidemiológico   realizado pelo Ministério da Saúde, revelou que cerca de 11 mil pessoas se suicidam todos os anos no país.

Atos “bobos”, “inocentes” podem ser gatilhos para pessoas que sofrem com depressão, distúrbios alimentares, e falta de autoestima. Diariamente, e em especial, nas redes sócias, pessoas distribuem comentários maldosos, disseminam ódio gratuito, julgam a vida alheia como se fosse delas, impõem verdades, ditam o que o outro deve comer, o que deve vestir, em quem deve votar, quanto devem pesar, com quem devem se relacionar. Dizem como arrumar o cabelo, como se maquiar, como educar os filhos, que religião ter, etc.

Elas passeiam entre a opinião e a disputa de ego como se as duas fossem sinônimos. Negam-se a ouvir o que não concordam, pois só precisam satisfazer a sí mesmos. Sim, alguns atos podem ter consequências fatais na vida de alguém! Não julgue a realidade do outro, não menospreze o seu sentir só porque VOCÊ não sente, não desmereça ninguém.  Não seja empático apenas em setembro, seja o ano inteiro. Não esteja atento apenas em setembro, esteja sempre. Não espalhe vídeos, textos, e tirinhas apenas durante a campanha, seja o sol na vida de alguém o ano todo.   Ajude!

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Se você está passando por um momento complicado e precisa de ajuda, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo site : https://www.cvv.org.br, ou ligue 188. A ligação é gratuita, pode ser realizada de todos os lugares do país.

Você também pode obter ajuda nos Centros de atenção psicossociais (CAPS), Ambulatórios de Saúde Mental e Unidades Básicas de Saúde da sua região.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

E AGORA, JOSÉ?


   Já parou para pensar o quanto deve ser difícil o primeiro voo de um pássaro? Essa coisa toda de bater asas o suficiente para não cair... a insegurança, o medo. Isso é algo que tem que se aprender sozinho, ninguém poderá fazer por ele, nem seus pais, nem os outros pássaros. Aqui não existe o plural, isso é e será singular.  Ela sempre pensou nisso, e apesar das dificuldades iniciais e naturais do mundo animal, ser pássaro sempre foi uma opção, se isso fosse possível.

   Ela já se sentiu como ele quando voou pela primeira vez. Agora a realidade é outra. Em seis meses se formará na faculdade. E agora, José? O tempo passou rápido para ela.  Há quatro anos o pequeno passarinho saiu do ninho, meio desajeitado, cheio de inseguranças e voou rumo ao desconhecido. Encontrou desafios, superou medos, venceu obstáculos, conheceu tantas coisas - inclusive ela mesma - ampliou sua bagagem, carregou pessoas, deixou outras, aprendeu a voar.
   Hoje a insegurança não é mais o bater de assas, é pra onde voar. São tantas possibilidades, tantas incertezas que às vezes isso domina sua mente e o medo toma conta. A instabilidade financeira, a batalha entre sonho e realidade. O receio de um futuro na profissão que escolheu. Durante a faculdade ela percebeu que meio acadêmico é uma utopia. A realidade fora é muito diferente, especialmente na sua profissão. Isso a fez questionar suas chances no mercado.
   Embora todas essas coisas rondem sua cabeça, ela repete pra si mesma que tudo se ajeitará, e que ela está no caminho certo. Repete várias vezes durante a semana, nos momentos de fraqueza e cansaço. Ela acredita que toda energia emanada pro universo volta, e manter-se positivo, mesmo na adversidade, é uma tarefa difícil, mas preciosa.
    Mesmo que o primeiro voo seja uma tarefa individual – como muitas coisas na vida -, a jornada não precisa ser solitária. Pássaros voam sozinhos, aos bandos, em par, trio, mas sempre voam. E sempre voarão, mesmo que o mundo machuque suas assas.

sábado, 10 de março de 2018

E S C A P E


  Ela corre como quem anseia por salvar o mundo, como quem tem hora pra chegar. Como se suas pernas fossem feitas de elástico. Corre depressa, suas passadas são longas. Respira fortemente. Sua barriga dói resultado da má respiração. Vai parando devagar até que para por completo. Olha para cima. O céu está cheio de estrelas. Ela as admira, sente o vento tocar-lhe o rosto. Coloca as mãos na cintura, puxa o ar para os pulmões, expira.
   Quem vem do lado oposto da via, a julga apenas mais uma pessoa que preza por saúde física. Quem dera fosse isso, quem dera fosse meramente estética. Ela corre porque a vida é apressada demais, e por ser tão apressada aperta seu coração e a sufoca com nó na garganta que se desfaz depois de grandes explosões de adrenalina.


   Há um tempo ela descobriu que correr funciona como uma válvula de escape para seu coraçãozinho ansioso. Mais do que isso, correr se tornou um momento dela com o mundo, com seus muitos pensamentos- alguns precipitados, outros nem tanto-, seu momento de segurar firme as rédeas, antes tremulas, da sua vida. Dizer para si que não há razão para alarde. Tudo no seu tempo”- pensa enquanto corre. Ela não gosta de músicas nesse momento, ouvir seus pés baterem no chão, sua respiração e o sussuro do vento é a parte que mais gosta.
   O objetivo dessa corrida? A exaustão física, a libertação mental. O suor escorre por suas costas, testa, braços e pernas. É uma noite quente no centro oeste brasileiro. Ela faz tiros curtos e se esforça ao máximo. Para, caminha, respira. Sente-se mais leve.  Repete a corrida algumas vezes até sentir seu corpo ferver.
   No caminho de volta para casa, sua mente está limpa feito papel branco. Ela se concentra na respiração até que ela se normalize. Já em casa, o banho é o último estágio desse processo. É onde deixa o suor- cheio de cargas diárias- descerem -junto a todo pensamento desnecessário- pelo ralo.  Ela se enrola na toalha ainda molhada e deita-se na cama, exausta, tranquila. Ela tem a paz que precisa.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Rastros de Felicidade

Ela nem sempre foi do jeito que a conhecem hoje. Nela habita o poder de transformar-se sempre que necessário, sempre que a vida pede que seja mais dura, menos simpática, mais compreensiva, menos crítica, mais ela, menos o que esperam que seja.  Vez ou outra ela veste uma armadura que só ela consegue tirar, e quando tira, algumas coisas mudam.  Já se perguntaram como algumas pessoas conseguem ser felizes, fazer as pessoas ao redor felizes e manter-se positiva para vida o tempo todo, como se nada abalasse elas? Pois é, eu já.

Há alguns anos, o novo invadiu seus olhos. Nova cidade, novos amigos, novas experiências, risadas, expectativas e sonhos lhe tornaram o ser que ela é hoje. A vida às vezes exige que decisões sejam tomadas, e para ela não é muito difícil. Tudo parece simples, objetivo, prático. Prático!  Ta aí uma palavra que a  define.  Eu sempre enrolei demais para dizer o que queria, ela não. Para ela é isso e ponto.
Sem medo, ela desbrava a cada dia um novo horizonte, lutando contra seus monstros internos como qualquer pessoa que ande por essa terra de meu Deus. Há dias em que as aventuras não lhe despertam interesse –normal, todos temos nossos dias ruins– mas para ela esses dias não tem vez.  Quando percebe que nuvens se aproximam, ela não corre delas, ela se prepara para a tempestade. Espera passar e avista o arco-íris ao longe. Vê que o sol vai aparecer de novo. Acalma seu coração e os que de calma precisam.
Em seu sorriso a graça de quem se supera a cada dia, a risada de quem contagia o mundo. Há quem diga que ela dança como ninguém, com seus passinhos únicos e contagiantes. As pessoas sabem quem ela é, porém não a conhecem. Muitos presenciam dias doces, mas não gostam dos amargos. Será que se conhece alguém assim? Gírias estranhas fazem parte do seu vocabulário e, automaticamente das pessoas que com ela convivem. Da arte de gerar memes, ah, disso ela intende. Tudo parece muito engraçado quando dito por ela.
Ombro para quem precisa chorar, mãos sempre prontas a ajudar, palavras que nem sempre dizem o que agrada, mas o que é preciso. Ela, ser amado e radiante. Ás vezes olho para ela e penso que o mundo precisa de mais pessoas assim. Precisa de mais alegria, mesmo que no simples da vida. Precisa de gente que dance frente aos problemas e “ria de nervoso”. Há pessoas que são como rastros de alegria na vida das pessoas, elas marcam e se enraízam, se misturam ao outro. Ela é assim.







segunda-feira, 7 de agosto de 2017

As Borboletas

Ah paixão. Como defini-la? Alguns dizem ser o estopim pra grande amores, outros preferem acreditar que são apenas tentativas ilusórias e utópicas de grandes amores. Eu? Eu tenho um misto de ideias pré estabelecidas com algumas conclusões nada muito mirabolantes minhas. Pra mim ela é como uma criança. Eufórica, destemida, objetiva e as vezes imprudente. É o coração batendo a mil por hora, é a desobediência do nosso próprio corpo, são as "borboletas no estômago",   a pupila dilatada, é a demonstração daquilo que queima por dentro. Apaixonar-se é bom. Fatores ligados à isso são o que tornam a experiência boa ou não.  Uma vez me disseram que se apaixonar é bom, e amar melhor ainda, mas quando se tem os dois... ah, aí se tem tudo.  Essa criança chamada paixão, as vezes se perde na vida, em escolhas, no tempo e não se desenvolve. Simplesmente  desaparece, a chama apaga e tudo muda.
Há vezes em que ela demora a crescer, mas quando cresce se transforma, passa-se a ser chamada de amor. Ela vira adulto mas nem por isso deixa de ser criança.  Os sentimentos e a essência prevalecem. Ela é um adulto ansioso. Tem seus momentos de agitação, mas também tem os de calmaria. E tudo isso conversa tão bem. Ela é leveza, cumplicidade, atenção, é doar-se sem deixar de ser completo, é vontade, é mergulhar mesmo que o fundo te assuste, é se permitir viver e viver o outro.  Mesmo que as coisas se confundam, em nosso íntimo sabemos quando amamos alguém. Bom, eu soube que era você quando meu coração olhou o seu e gostou do que viu. Desde então dou teu nome à flores, dedico-lhe tempo, músicas, a lua e entardeceres.  Sabe aquela história de que o amor chega pra todos? Eu acredito, e você   também vai quando souber identifica-lo.   Parafraseando Quintana, não são só belas borboletas que voam sob nós. Uma hora a borboleta certa escolherá você, e você a ela. Enquanto isso, cuide do seu jardim.  Permita-se. 

domingo, 14 de maio de 2017

O que nos é dado de graça: mãe

14 de maio. Dia das mães.  Mais uma das datas especiais criadas pela sociedade que julgou ser necessário um dia que exaltasse o que nos é importante. No caso, esses seres maravilhosos dados por Deus de graça para nós, chamados de mãe. Fiquem tranquilos, esse texto não falará sobre o porquê de não declarar- se sempre àquilo que amamos. O que na minha humilde opinião é uma das coisas primordiais nessa vida. Fazer com que nossos sentimentos sejam percebidos, não apenas de maneira material, mas pelo simples que a vida dá: a importância do sentir.
Mãe. Quantas histórias, quanta dedicação, quanto amor. Feliz é aquele que zela e ama a ti todos os dias dessa breve passagem que é a vida.  Decidimos bater asas, sair de nossos ninhos e nos aventurar em novos horizontes. Por nós mesmos, por você.  Esse é um dos preços que pagamos, viver longe de ti.  Às vezes não conseguimos estar presente em comemorações, aniversários e almoços em família. Não por falta de vontade, mas de meio, distância, tempo ou dinheiro.
Mesmo estudando longe, trabalhando, morando sozinho ou  acompanhado, ser casado ou solteiro, sempre precisaremos de vocês, mães! Em dias como esse, enquanto nossos amigos “locais” estão reunidos com a família, comendo, rindo, assistindo aqueles filmes típicos do dia, estamos buscando algo que torne nosso domingo um pouco menos solitário.  Já disse o quanto domingos são chatos? Não sei vocês, mas o meu é. Não digo que são sempre tristes. Há dias e dias, hoje não é um dia triste. Não é porque sei que me cuida de longe, porque sei que está em casa se perguntando se estou bem, se comi ou se estou me alimentando direito.
Nessas horas percebo o quanto precisamos ser gratos. Gratos à vida, a ti, mãe e às pessoas que nos amam e que amamos. Não há razão para ficarmos tristes por estarmos longes. Uso a primeira pessoa do plural por ver o que amigos disseram dias atrás sobre a data de hoje. “Dia das mães, esse é o dia que a gente chora sozinho? ”  “domingo é o dia que a gente chora?” Entre outros comentários parecidos.
Digo por mim e por todos que vivem essa realidade. É fácil? Não é! Muitas vezes queremos aquele colo que só tu, mãe, tem. Aquele conselho certeiro que só tu consegue dar. Aquele “eu te disse” que sempre vem.  Como dizem, aviso de mãe é aviso de Deus, e eu realmente acredito nisso.
Sei que o dia está acabando, mas espero de coração que você que está lendo isso agora tenha tido um dia bom.  Que tenha conseguido falar com a sua mãe, que tenha sentido interesse em saber como está a vida dela, quais são seus planos e suas vontades. É preciso interessar-se pelo outro, não apenas esperar por isso.


Feliz todo o dia para mães, para pais que muitas vezes também são mães, para aqueles que não apenas tem um “cargo” social, mas que desempenham diariamente o significado mais bonito da palavra mãe, o amor. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

Nó Invisível

Decidi escrever sobre um problema que venho enfrentando há um tempo, a ansiedade.  Desde pequena me sentia agitada em certos momentos, o que é normal. Antes de provas, aniversários, viagens ou comemorações marcantes. Com o passar do tempo ela sumiu. Aos 19 anos, notei que ela havia voltado – talvez nunca tivesse ido embora –. Eu estava no cursinho, um período muito complicado da minha vida. Expectativas, frustrações, medo, insegurança, desespero, cansaço e lagrimas. Não se assuste, nem tudo foi ruim. Tive bons momentos, grandes amigos, risadas, aprendizado e amadurecimento.
Eu tinha um sonho, ser uma boa jornalista, contar histórias, ver o sorriso do próximo com o pouco que posso fazer. Queria estudar na UEL (Universidade Estadual de Londrina), me esforcei, me dediquei, mas infelizmente, por pouco, não consegui meu lugar nas cadeiras daquela faculdade. Lembro-me de passar mal antes das provas, sentia vontade de vomitar e meu coração pregava-me peças, acelerando e desacelerando. Nervosismo, normal, não?  Aquilo era muito mais que uma prova, era um ano inteiro de dedicação e escolhas.
A vida me mostrou que nem sempre o que queremos é a melhor opção. Fui agraciada com algo melhor. Entrei na UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), no começo fiquei triste por não ser o que queria, – nunca sequer ouvi falar dessa universidade –, mas logo percebi os planos que Deus tinha para mim.  Tudo era muito diferente do que estava acostumada, as pessoas, o ambiente, o clima. Enfrentei problemas com fortes enxaquecas em menos de duas semanas sozinha na cidade. É, sair de casa é realmente para quem tem coragem. Eu tinha 20 anos.
Me adaptei e tudo corria bem. Conquistei amigos, momentos, vontades e mais sonhos. Porém, comecei a perceber uma certa inquietação, contava os dias para voltar para casa. Na época namorava e acreditava que isso era o motivo de minha agitação. Com o passar do tempo percebi que não, mas procurava me controlar e manter o problema para mim.
Certa noite, eu assistia desenho – sim, gosto muito de assistir desenho para dormir – quando percebi meu coração bater em um ritmo diferente do habitual, as batidas eram fortes e descompassadas, algo estava errado. Respirei. Inspirei. Respirei novamente tentando manter a calma, meu peito doía.  Pensei “Não é possível que estou enfartando caos 20 anos ”. Liguei para uma amiga, ela me acalmou, falou comigo, pediu para eu respirar e manter a calma. Depois de um tempo deixando o ar entrar e sair dos meus pulmões calmamente, eu dormi.
Na hora do desespero mandei uma mensagem para minha mãe dizendo que precisaria de um cardiologista pois não me sentia bem, quase matei ela de susto. Em menos de uma semana já estava na minha cidade realizando uma bateria de exames.  O resultado só comprovou o que eu sempre imaginei: sofria de ansiedade e precisava cuidar disso com remédio.
O médico decidiu que seria melhor um tratamento mais longo, porém com melhores resultados. Durante seis meses eu tomei todas as manhãs 10 gotas do bendito remédio. Nos primeiros dias eu me senti pior, os sintomas multiplicaram. Depois de um mês já pude notar a diferença. A calma aos poucos se instalou em mim e em algumas vezes até me senti mais lenta. Minha mãe notou a diferença. Disse que estava mais “tranquila de tudo”. De certo estava, mas isso não era ruim, de jeito nenhum. Não fomos feitos para a agitação que é nossas vidas, corre para cá, faz isso, faz aquilo, volta. Não, é preciso desacelerar.  
 A Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrou em pesquisas recentes que o Brasil lidera o ranking na América Latina e no mundo com 9,3% da população com algum tipo de transtorno de ansiedade. A taxa é três vezes superior à média mundial.  Eu estou entre essa estatística.
O tratamento acabou. No início sentia minha cabeça pesada e meu estomago enjoado. Com o tempo os sintomas passaram. Hoje me sinto muito melhor, o nó invisível que se fazia presente vez ou outra na minha garganta desapareceu. Não vou dizer que não tenho episódios de ansiedade, sim, ainda tenho, mas são poucos. Acho que é cedo para afirmar muita coisa.
O ruim da ansiedade é não saber o motivo que te deixa ansiosa. “Um dia de cada vez” minha mãe me diz, isso se tornou nosso mantra. Sempre que me sinto agitada penso nisso. Algumas pessoas tiram sarro, dizem “sou ansiosa” quando na verdade sequer sabem como é se sentir assim. Sou abençoada por ter um nível baixo do problema, e mesmo assim me sinto mal.
Isso não é brincadeira. Dá vontade de correr, gritar, fazer qualquer coisa que me deixe mais leve por dentro, não é legal se sentir assim, não é mesmo.  Cada um tem uma maneira de lidar com o assunto, eu procuro desacelerar meus pensamentos, pensar em uma coisa de cada vez, fazer algum esporte para aliviar a carga que carregamos diariamente.  Nem sempre dá certo.
É importante que diga aos seus amigos, ou pessoas próximas como se sente, isso ajuda, se permitir mostrar e saber que isso não é normal, é o primeiro passo para a melhora. Não sou apta a dizer o que é preciso ser feito, creio que um acompanhamento psicológico ajude. No meu caso, nunca procurei um, mas não descarto a ideia. Afinal, todos somos seres humanos que insistem em carregar o mundo nas costas. Costumo dizer que dividir sempre é a melhor opção, não acha?
A melhora não acontece do nada, ou simplesmente por tomar um remédio, é um exercício diário. É a organização de pensamentos, sentimentos e anseios. É diminuir expectativas, dedicar-se a manter a mente tranquila, mas acima de tudo é um autoconhecimento, é controle sobre si próprio, é amadurecimento.